Sancionada em 9 de agosto, a lei do tabelamento do frete não durou muito. Dezoito dias depois, ela foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A medida é fruto de uma negociação do governo federal com caminhoneiros, que pararam o País por nove dias em maio. Mas ela desagradou a uma série de setores. Em especial, o agronegócio. “Não dá para fazer um tabelamento pelas características que o Brasil tem”, disse o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, que é contrário ao tabelamento. O agrônomo André Nassar, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), concorda. “Vemos a competitividade das exportações cair com isso”, afirma ele.
“Precisamos virar essa página.” Apesar de suspensa, o tabelamento ainda vaga como um fantasma, assombrando os negócios do campo. É nesse clima de incertezas que surge uma nova ordem para a logística do transporte da produção agrícola. O primeiro passo com investimentos das empresas e produtores rurais em frota própria. “Inevitavelmente, o produtor optará fazer o próprio transporte de sua produção”, diz Blairo. “Da mesma forma as tradings agrícolas.” O próximo passo é as empresas se cercarem de inovações e alternativas de transporte para tornar cada vez mais eficiente a movimentação de cargas no País.
Eficiência é mais do nunca a palavra de ordem. Isso porque o cenário não é o dos mais promissores, caso o tabelamento do frete volte a assombrar as empresas. Segundo cálculos da Fundação Getulio Vargas, a pedido da Abiove, a medida geraria um custo de R$ 73,9 bilhões para toda a cadeia de produção agrícola. Esse montante seria o valor pago pelas agroindústrias e pelos produtores rurais às transportadoras e aos caminhoneiros. “É um custo que jamais foi planejado pelas empresas do setor”, diz Nassar. Nessa conta, as exportações brasileiras perderiam ainda mais competitividade. Em uma comparação feito com os Estados Unidos, principal concorrente do agronegócio brasileiro, isso fica bastante evidnete. A análise considera um trajeto de 2,1 mil quilômetros. No caso do Brasil, o trajeto vai do município de Sorriso, em Mato Grosso, até o Porto de Santos, no litoral paulista. Nos Estados Unidos, vai dos municípios de Minneapolis a Nova Orleans. Esse percurso em solo brasileiro custa US$ 85 por tonelada transportada, enquanto que os americanos pagam US$ 35. Num prognóstico pessimista, caso o tabelamento do frete volte à cena, o custo total passa para US$ 127,50 por tonelada, no Brasil, segundo dados da consultoria Safras e Mercado, de Porto Alegre (RS). “A diferença que já era grande passaria a ser maior”, diz Nassar. “Isso é muito preocupante.”
Para fugir desses cenários, algumas empresas já sinalizaram investimentos em frota própria. Entre elas está a trading de grãos americana Cargill, que faturou, no ano passado, US$ 109,7 bilhões globalmente. Ela está em processo de compra de mil caminhões, segundo o zootecnista Paulo Sousa, diretor de grãos e processamento da Cargill para América Latina. “Indústrias e exportadores terão de repensar a forma como irão operar no Brasil”, afirma Sousa. “O tabelamento do frete cria uma ruptura no funcionamento natural da cadeia de suprimentos e desequilibra os contratos, a ponto de comprometer a confiança na expansão sustentável do agronegócio.” Para ele, passa ser mais viável receber essa produção direto nas fábricas da Cargill ou nos portos, em vez de buscar a soja ou o milho direto nas fazendas de produtores ou nos fornecedores dos grãos à empresa. “Isso reduz o risco ao máximo, além de maximizar o uso das hidrovias ou ferrovias, as quais são mais eficientes e agora se tornam, juridicamente, muito mais seguras”.
De fato, operar através do modal rodoviário no País é uma tarefa somente para os fortes. Com uma malha de 1,7 milhão de quilômetros de extensão, as rodovias representam 65% da malha logística nacional. Dessa extensão, apenas 213,8 mil quilômetros são pavimentados. Agora junte uma frota de 2,7 milhões de caminhões. Se esse contingente de veículos fosse distribuído em uma linha reta, haveria um caminhão a cada 635 metros ao longo de toda a malha rodoviária do País. É nesse tumulto que a paulista JSL, que faturou R$ 7,5 bilhões no ano passado, quer se sobressair. Segundo Adriano Thiele, diretor de operações da JSL Logística, não há grandes preocupações diante do plano de investimento em frota própria da agroindústria. Para ele, o momento representa uma oportunidade para a empresa atrair a atenção para o serviço de locação de frota, criado este ano. “É um nicho ainda pouco explorado no Brasil”, diz Thiele. “Nesse momento de incertezas, estamos muito próximos de cada um dos nossos clientes, avaliando e discutindo a melhor alternativa ou operação para cada um deles.”
Fonte: Dinheiro Rural – Especial Logística